sexta-feira, 23 de abril de 2010

Dentes-de-Leão

Tenho uma vontade incontrolável de dividir algo com alguém agora, nesse momento. Contudo, não sei com quem. Temo que posso buscar no meu mais profundo eu, e ainda assim não saberei. Talvez essa pessoa para a sina sem sentido simplesmente não exista. Não me importo, ao menos não hoje, já que em uma noite normal estaria pedindo-lhe perdão, caro leitor, por parecer um louco. Talvez eu o seja. Não descarto nenhuma possibilidade. Esteja avisado: o que quero dividir é simples, mas incoerente, confesso.

Há dias em que quero morrer. Há dias em que não posso querer nada da minha vida senão a morte. Mas entenda, minha vida é maravilhosa, e a amo.
Há dias ruins na vida de todos, e há dias insuportáveis. Não me refiro a nenhum desses dias. Nos piores dias da raiva quereria talvez matar - não se assuste, é apenas um sentimento indescritível que pinto desta forma, como pintaria o amor no formato de dentes-de-leão. Os dias em que se quer matar são normais, e existem na vida de todos.
Há, entretanto, dias em que quero morrer. É um querer calmo, meio caprichoso, sabe? Uma vontade repentina e sem razão, mas persistente. Parece-se com a vontade de tomar um sorvete na praça. Parece-se com a vontade de beber água com uma colher. Parece-se com a vontade de sentar no chão a ouvir música e saborear uma taça de vinho. E como todas as outras vontades, parece ser de uma realização simples e ingênua.
É uma vontade de morrer, mas sem a gravidade que o som do duplo r traz. É uma vontade calma. E, sobretudo, não há nada de auto-destrutivo em querer morrer. Há dias em que poderia fechar os olhos e esperar que a morte me cortasse de repente. Me cortasse em minha resignação. A vida plena é uma eutanásia prolongada.
Nesses dias, nesses dias em que quero morrer, me sinto completo. Não há um viver mais intenso que aquele que caminha para morte. Não há um viver mais puro que aquele que espera, passivamente, o fim das coisas. O movimento mais natural da vida é o de uma árvore.
Árvores nunca morrem, não verdadeiramente. Elas dão lugar a outras árvores. A queda é inerente a vida latente das árvores. Ainda assim, elas não a apressam, nem se angustiam devido ao fim inevitável. As árvores apenas sentam-se, acomodam-se, crescem, frutificam, e aguardam, passivamente, o fim das coisas. E nunca morrem.

Um comentário:

  1. Jesus, eu comparo seu blog com o meu e me sinto uma adolescente barbie e totalmente descerebrada de uns 16 anos, enquanto que o seu parece de um erudito de 45/50 anos. Ai que horror, que misplacement, que desconcerto, enfim, que extremamente Maneirista!
    Eu achei isso no blog da Martha ia postar no orkut, acho que talvez mande por depoimento. Me lembrou a história do azulão e por consequencia me lembrou sua partida e me fez chorar, mas só por dentro. Acho que não tenho mais água pra nada.

    Guardar uma coisa não é escondê-la ou trancá-la
    Em cofre não se guarda coisa alguma
    Em cofre perde-se a coisa à vista.

    "Guardar uma coisa é olhá-la, fitá-l, mirá-la por
    admirá-la, isto é, iluminá-la ou ser por ela iluminado
    Guardar uma coisa é vigiá-la, isto é, fazer vigília por
    ela, isto é, velar por ela, isto é, estar acordado por ela,
    isto é, estar por ela ou ser por ela.
    Por isso melhor se guarda o voo de um pássaro
    do que um pássaro sem voos.
    Por isso se escreve, por isso se diz, por isso se publica,
    por isso se declara e declama um poema:
    para guardá-lo:
    para que ele, por sua vez, guarde o que guarda:
    Guarda o que quer que guarda um poema:
    por isso o lance de um poema:
    por guardar-se o que se quer guardar."

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