quinta-feira, 29 de julho de 2010

Fantasmas

Tenho fantasmas. Tenho muitos fantasmas o tempo todo.
Sabe quando se usa aquele colar o tempo todo? Precisamente o crucifixo. O crucifixo é um ornamento dos mais belos do mundo. Denota uma fé intrínseca nos que a possuem, e um cepticismo belo nos que não a possuem. Denota uma beleza simples, uma beleza que remete ao sofrimento e ao romantismo, denota também um clacíssismo da forma... pelo menos a mim - mas sou louco.O fato é que quando se retira um colar destes, destes que fazem parte da gente, sente-se ainda sua presença. É uma presença dada por um formigamento estranho, uma presença ausente, uma presença que se sente mais do que a ausência de quando se está presente.
Há essa tendência em sentir a falta da coisas das quais nos apropriamos. Descobri esses dias também uma tendência a sentir falta das pessoas das quais nos apropriamos. Não falo em coisificação. Ela não é uma coisa. Não amo as coisas. Uso as coisas, e amo quiçá a sensação que elas me trazem. Amo as pessoas, todas elas; Amo todas elas. Amo com letra maíuscula, como Camões Amava exclusivamente as mulheres, mas Amo a todos. Também odeio aos que Amo, mas não deixo de Amar. A ela, especificamente ela que você, leitor abelhudo, não precisa saber quem é, amo e Amo.
Perdoem a divagação - não perdoo a mim mesmo por ela, mas perdoe você, pois não me darei ao luxo de apagá-la e sequer me importo se serei compreendido. Voltando ao ponto que é o que importa, eu sinto falta das pessoas que amo. Tenho fantasmas das pessoas que amo. Durmo com fantasmas dela deitados sobre meu ombro, e quando acordo, e vejo que a sensação fantasma ainda está lá tenho forças para levantar. Não quero dizer que preciso desta sensação para viver, mas tenho prazer nessa sensação e não é um prazer meramente carnal. A questão é que levantar-se da cama por hedonismo, por uma busca pelo prazer, é sempre muito melhor e muito mais imperativo que simplesmente levantar-se da cama.
Sei que Amo. Aprendi a Amar.
Tenho fantasmas. Tenho fantasmas e só por isso sei que amo e Amo.
Chega. Por hoje sou feliz.


Esse texto pressupõe uma dedicatória. O não-nome causa mais escândalo e traz mais lembranças que o nome propriamente dito, por isso deixo a dedicatória assim, no ar. Deixo essa dedicatória no ar para que você colete como presente simples de uma alma estável - não falo com você, caro leitor; por favor recolha-se ao seu anonimato. Falo de você, você cujos olhos não saem dos meus olhos. Te amo.

sábado, 24 de julho de 2010

Operações Matemáticas

As pessoas são como números. Cada um de nós é um e é aproximadamente (mesmo que a aproximação as vezes seja um tanto grosseira) igual ao outro. O erro da humanidade não está em ser um conjunto de indivíduos, mas na composição deste conjunto.
Somamo-nos uns aos outros. Eu sou um. Eu e minha casa somos três (embora costumássemos ser quatro ou cinco), eu e minha família próxima somos algo perto de dez... e então somo mais uns, distantes, e seremos quase cinquenta. Quando entro na unversidade me somo a mais cem da mesma sala, quiçá mais. Alguns uns estão próximos e são imediatamente somados a mim. Outros uns estão distantes e sequer sei seus nomes, apenas somamos por estarmos na mesma caixa, na mesma universidade, mesma cidade, estado, país, planeta. Quantos somos? Um estatístico talvez possa precisar de forma imprecisa, o quê não faz o menor sentido. Somos infinitos.
Infinito. Pode parecer pontual, exato, belo. Não há nada de belo no infinito. Infinito mais ou menos um continua sendo muito grande, continua sendo grande demais, e continua sendo infinito. A lógica fica caótica. O tudo caminha para a destruição.
Eu - ignore o mundo, falo de mim - não sou assim. Recuso-me a somar. Não me somo sequer àqueles que amo, não! O infinito é efêmero e morre com grande facilidade. Ao contrário eu tenho uma ânsia por ser imortal e isso me norteia a permitir que partes de mim sobrevivam, pois o todo sempre morre. Eu me divido, pedaço a pedaço, entre as pessoas que passam por minha vida. A divisão, ao contrário da soma, implica perda e implica intimidade. A divisão é verdadeira, mesmo que as vezes dolorida.
As vezes me pergunto se ao me dividir sobra algo de mim para mim mesmo. Me pergunto ainda se o quê talvez sobre é a parte central, a essência, ou a impureza, descartável. Não importa, pois me diminuo ao longo da vida... Sou um meio, um quarto, um oitavo, um dezesseis-avos, um trinta-e-dois-avos, um sessenta-e-quatro-avos... um muito-grande-avos, um infinito-avos. Sou zero. Sou nada. E o nada não pode ser reduzido pela morte.
Peço mui respeitosamente que abstraía-se de somar-se a mim, caro leitor. Não desejo de forma alguma a sua presença, ela não me trará prazer algum. Ao contrário, divida-se. Se toque, e toque-me, por favor. Permita-se ganhar uma certa intimidade, e não se permita morrer.
A maior falha da humanidade é que soma-se com a indiferença quando deveria dividir-se com o amor. Sou uma fração de todos aqueles que amo; todos juntos tendemos a zero, e o nada é tudo.

sábado, 17 de julho de 2010

Fehlende Liebe

Ontem senti-me como que na Europa. Ontem, viajei de trem, como faço todos os fins de semana, quiçá alguns nos quais prefiro - ou antes, necessito - permanecer em minha segunda, ou terceira, casa. Já perdi as contas de quantas casas me possuem, pois não possuo nenhuma delas.
O fato é que ontem chovia fina e insistentemente. Eu usava uma calça comum, duas blusas e um boné, carregava uma mochila cheia e tensionava os músculos, cada um deles, na busca de um calor humano, de mim para mim mesmo. Como qualquer pessoa normal, nessas condições de roupas molhadas e tardes cinzas, eu talvez devesse sentir-me triste. Não me senti triste. Senti-me feliz. Aliás, sempre sinto um quê de romance que vem com o frio.

O chão treme, os trilhos chiam e o trem se aproxima. As pombas, ratos de asas e de beleza, decolam em massa ao fugir do caminho da morte. Este carro não vai até Francisco Morato, mas traz o aviso luminoso: "RECOLHE"... Passa reto, pois não presta mais serviços, e açoita a minha face descoberta com suas lâminas de vento. Meu olhar fixa e acompanha o movimento da locomotiva. Meu capuz luta insistentemente pra se manter sobre minha cabeça. Seguro a aba do boné. Neste momento sou só. Neste momento sou único no universo, e não posso deixar de me dar ao luxo, ligeiramente esquizofrênico, de parar o tempo e afastar a camêra para terceira pessoa.
Mudo para a camêra térrea... vejo os contornos de meus sapatos, o ondular da calça, o capuz corajoso, a aba do boné e a sombra do meu sem rosto sob o fundo acinzentado. Vejo as pombas em revoada, e do canto inferior esquerdo surge um sem fim de velocidade, um basilisco elétrico em movimento estático, pois se trata de uma imagem que pinto parada - atemporal. O estranho não é o como que as imagens paradas criam movimento no mundo dos sonhos. O estranho é como que a solidão do momento toma a forma de romantismo.
Do espaço vazio no meu abraço inexistente têm-se a impressão que um dia ali existirá alguém. O calor só existe em sua importância e plenitude onde não há calor algum. O frio pressupõe a possibilidade do calor. E esse sentimento de imagens paradas em alguns segundos que não se vão me remetem a Europa. Me remetem talvez pela distância e pela falta que sentia do Brasil. A arquitetura da Luz é muito propícia também às lembranças do velho mundo, e o céu acinzentado de chuva fina é uma propriedade dos outonos ingleses. Eu nasci no outono, e talvez o vento tenha me soprado um algo de depressivo. Amo a Europa, e não há nada de calor humano na Europa, sobretudo na Inglaterra. Entretanto a névoa e a chuva abrem muito espaço para o romance na loucura da cidade de Londres, e isso a torna bela e preferida pela minha alma.
Não devia te permitir que lesse isso, mas espero poder viver na certeza do aconchego de uma imagem sem espaços vazios. Talvez essa esperança seja só um capricho, quem sabe. Não me deixe só.