domingo, 31 de março de 2013

PROCURA-SE


Qualquer coisa simples, que me dê prazer.


domingo, 24 de março de 2013

Tenho essa imagem.

 Eu com meu coração na mão. Não imagine uma coisa luminosa, bonita, ou quente; essa não é bem a imagem que tenho. É algo verdadeiro, palpável. É um coração real e sangrento, de um vermelho escuro, pois está em contato com o ar. É um coração real e sangrento, de batimentos irregulares e espasmos loucos de um músculo que está perdendo todo seu calcio, morrendo.
É algo assim, esse pedaço de carne. Ele está na minha mão. Escorre o sangue pelos meus pulsos, pelo meu antebraço e cotovelo. Pinga e respinga por onde passo e quando me viro. Meus passos, meio mancos, raspam essas gotas de sangue. A imagem não é bonita.
Vou de porta em porta, oferecendo essa coisa fétida às pessoas. Às meninas mais do que às pessoas. Estendo a mão, apertando firme o músculo em espasmo, tentando conter um pouco da sangria. As válvulas semilunares já estão destruídas. A aorta pende morta de um dos lados. Escorre sangue. Arritmia.
Acho que vou morrer. Antes, sei que já morri. Não há muito aqui para mais ninguém, e não há mais ninguém pelo mundo para isso aqui. Como vou lidar com ser sozinho mais uma vez?
Barulho. Um barulho num canto no quarto escuro e levanto o olhar. Num reflexo, olho assustado para a direita. Sempre para a direita. É da direita que veem todos os sons. Tenho medo do escuro de novo. Nada incontrolável, mas depois de tantos anos - onze, talvez doze - olho para os cantos em busca da origem dos sons, das luzes, das vozes. Para os cantos nada; olho para o único canto que meu corpo é capaz de acusar a existencia: para a direita. Para a direita, pois minha esquerda está morta. Não ouve, nem sente.
Como pode isso doer tanto depois de tanto tempo? Isso, isso tudo? A perna manca, o ouvido surdo, o coração párado, o medo do escuro. Como pode isso deixar tanta sequela?
Tenho tanto amor, e tanta necessidade de amor, que não cabe em mim. Tenho tanto ódio que não cabe em mim. O mundo é podre, e cheio de sangue. Fede à carniça. Não tem nada bonito em viver. Sinto que posso me dispor de tudo quanto tenho nesse momento pelo puro interesse do experimento. A morte é o experimento final, e não há necessidade de antecipá-lo ou planejá-lo. Não fosse esse interesse em ser minha própria cobaia talvez já tivesse quebrado.
Mentira. Já quebrei. Parei de funcionar para tudo quanto fui bom, fui útil, fui querido um dia. Virei uma coisa jogada pedindo por algum uso. Talvez isso tudo seja porque minha felicidade é barata e insaciável. Talvez seja sintoma de loucura, ou sintoma de razão. Talvez nem seja nada. Estou tão cheio do nada. Corri tanto do nada por tanto tempo. O nada me alcançou. Não há nada pior do que nada.
Me levantei da cama pra isso, só pra isso. Penso em não publicar o texto. Ando calado por esses dias. Minha necessidade de falar se foi. Dói.
Um banco vazio. Dói.


quinta-feira, 14 de março de 2013

Seagull

Cheguei a conclusão última de que a beleza é uma propriedade inerente de todas as coisas, em qualquer tipo de feiura ou podridão.

Tinha essa imagem na minha cabeça, com uma mulher, um cachorro, filhos e o cacete. Achei que precisava recuperar isso, mas o vazio acaba tendo uma beleza mais certa do que esse sonho volátil e infantil.

domingo, 10 de março de 2013

San Francisco

O amor é uma bacia vazia. Um recipiente ali num canto sem nada nem ninguem, nem nenhum motivo nem com nenhuma necessidade.
Bobagem essa coisa de que se pode ser feliz sozinho, afinal não se pode amar sozinho.
Na verdade ama-se com homens, mulheres, cães, árvores, pássaros, líquens e águas vivas. Ama-se com pedras e com o vento, dependendo no quão funda ou rasa é a sua bacia. Não é possível amar sozinho, não é possível ser feliz sozinho... Mas afora isso qualquer coisa adiciona ao conteúdo inexistente dessa bacia insaciável.
Percebi isso hoje, perdido do mundo em San Francisco, assoprando um amor encarnado em dente-de-leão pro vento levar embora. Ponto final, reticências...