domingo, 14 de abril de 2013

Silêncio

Queria, gostava, corria sorrindo e chorando quase que ao mesmo tempo para o braços da morte. Se calava em meio a multidão e podia ouvir ao Grim Reaper sussurando suas palavras doces. Era poeta, nasceu poeta, e como todo poeta brotou da morte e da escuridão. Esaú - nasceu completo. O ciclo completo se fecha na morte. Nasceu morto em uma cidade fantasma, de árvores de folhas vermelhas, que flutuava apenas em sua imaginação em meio a serração que brota do lago.

Há dois tipos de pessoas no mundo: os músicos e os dançarinos. Nasci morto, me contorcendo e dançando. A morte dança suavemente e comunica tudo, mas nada é capaz de ouvir. A maioria, os músicos, escutam e gritam suas notas. Esses vivem, mas percebem e apreendem tão pouco do seu redor que nada mais têm do que uma meia vida pulsante.
A Terra, os Deuses e os Povos nasceram de uma melodia tocada pelas mãos de um tribal qualquer. Aprendi em forma de mitologia com a mãe Terra o que de fato já nasci sabendo: as mãos criam, os pés destróem. Danço sobre as folhas secas, chuto o ar, giro os tornozelos, estalo e quebro os ossos do sustento do peso e da graciosidade, destruo tudo quanto posso do mundo através dessa observação infantil e inata. Nasci, como alguns outros poucos, morto. Caminhei, corri e me contorci rente ao chão tantas vezes, como alguns poucos outros, em direção a morte. Nunca percebi isso até o momento, mas o abraçar da morte é que me fez capaz de viver.
Não sei tocar nenhum instrumento. Me fascina o piano, assim como me fascina a vida. Entretanto, pulsa em mim a percursão, pois esta prescinde dos timpanos ou dos óssiculos. Sinto a vibração na terra, na Terra, pela ponta dos dedos adormecidos do pé certo e do pé quebrado. De fato quebrei-o esquecendo que devo dançar e morrer, em lugar de cantar e viver.
Esaú - nasci completo. Completo e morto. Não tenho irmão mais novo que venha a me traír. Não tenho pai senil que venha a me discriminar. Nasci completo. Tenho irmã mais velha que me entende, interpreta e ama os movimentos. Tenho pai astuto que me aponta os perigos por baixo das folhas secas. Tenho mãe que não é Rebecca, e que é suporte em lugar de desilusão. Esaú, nasci completo, e diferente do ingênuo Esaú que nasceu completo em outrora. Nasci completo como o nome manda em tua raíz, afinal brotei mesmo bem de perto da raíz podre da árvore da vida. Brotei morto, e me dá orgulho isso. Eu não sou parte da terra dos vivos, e eu tenho orgulho disso. Eu não faço parte dessa podridão asquerosa.
Quero morrer. É uma vontade calma e tranquila da qual eu sempre estive ciente. Agora, contudo, entendo que é essa vontade que me coloca em pé, e foi a perda dessa vontade que me levou ao chão. Aceito hoje que estou morto, e apenas por isso posso me ocupar calmamente de tudo quanto me dê prazer, de qualquer beleza gentil.
Danço. Os pés destróem e eu danço, e não importa que destrua nada desde que tranforme essa fumaça em alguma coisa bonita e desproposital. Nada construo, pois como um lobo tenho apenas pés. Como um lobo nasci completo, e esse anseio por uma cria e por um carinho ou por um toque é tudo fruto da admiração que tenho pela vida. Sou morto, nasci morto, e vendo o direito a vida plena por um pote de lentilhas. Não me importa que não durarão para sempre, desde que esses momentos de quase-vida intercalados me tragam algum prazer.
Esqueci por tempo demais que sou uma máquina romântica e anti-poética. Disse tanto que romanticos morrem aos vinte e um para justificar meu lirismo ignorado, mas morri aos 9 meses. Morri chorando, e por isso sigo chorando. Não sou nada, e só isso é capaz de unificar o que eu sou em algo que faça sentido. Meu mundo é silêncio dançante, é cheiro e sabor, é fala reprimida, é queda do abismo.

quinta-feira, 4 de abril de 2013