sábado, 17 de julho de 2010

Fehlende Liebe

Ontem senti-me como que na Europa. Ontem, viajei de trem, como faço todos os fins de semana, quiçá alguns nos quais prefiro - ou antes, necessito - permanecer em minha segunda, ou terceira, casa. Já perdi as contas de quantas casas me possuem, pois não possuo nenhuma delas.
O fato é que ontem chovia fina e insistentemente. Eu usava uma calça comum, duas blusas e um boné, carregava uma mochila cheia e tensionava os músculos, cada um deles, na busca de um calor humano, de mim para mim mesmo. Como qualquer pessoa normal, nessas condições de roupas molhadas e tardes cinzas, eu talvez devesse sentir-me triste. Não me senti triste. Senti-me feliz. Aliás, sempre sinto um quê de romance que vem com o frio.

O chão treme, os trilhos chiam e o trem se aproxima. As pombas, ratos de asas e de beleza, decolam em massa ao fugir do caminho da morte. Este carro não vai até Francisco Morato, mas traz o aviso luminoso: "RECOLHE"... Passa reto, pois não presta mais serviços, e açoita a minha face descoberta com suas lâminas de vento. Meu olhar fixa e acompanha o movimento da locomotiva. Meu capuz luta insistentemente pra se manter sobre minha cabeça. Seguro a aba do boné. Neste momento sou só. Neste momento sou único no universo, e não posso deixar de me dar ao luxo, ligeiramente esquizofrênico, de parar o tempo e afastar a camêra para terceira pessoa.
Mudo para a camêra térrea... vejo os contornos de meus sapatos, o ondular da calça, o capuz corajoso, a aba do boné e a sombra do meu sem rosto sob o fundo acinzentado. Vejo as pombas em revoada, e do canto inferior esquerdo surge um sem fim de velocidade, um basilisco elétrico em movimento estático, pois se trata de uma imagem que pinto parada - atemporal. O estranho não é o como que as imagens paradas criam movimento no mundo dos sonhos. O estranho é como que a solidão do momento toma a forma de romantismo.
Do espaço vazio no meu abraço inexistente têm-se a impressão que um dia ali existirá alguém. O calor só existe em sua importância e plenitude onde não há calor algum. O frio pressupõe a possibilidade do calor. E esse sentimento de imagens paradas em alguns segundos que não se vão me remetem a Europa. Me remetem talvez pela distância e pela falta que sentia do Brasil. A arquitetura da Luz é muito propícia também às lembranças do velho mundo, e o céu acinzentado de chuva fina é uma propriedade dos outonos ingleses. Eu nasci no outono, e talvez o vento tenha me soprado um algo de depressivo. Amo a Europa, e não há nada de calor humano na Europa, sobretudo na Inglaterra. Entretanto a névoa e a chuva abrem muito espaço para o romance na loucura da cidade de Londres, e isso a torna bela e preferida pela minha alma.
Não devia te permitir que lesse isso, mas espero poder viver na certeza do aconchego de uma imagem sem espaços vazios. Talvez essa esperança seja só um capricho, quem sabe. Não me deixe só.

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