Fui costurado - e suturado por cinco ou seis vezes seguidas em intervalos regulares - umas incontáveis tantas vezes na vida. Burro, deslocado, errado, maduro, depressivo, ciumento... Tudo o mais que não deveria ser quando era; gauche para emprestar vocabulário adequado de Carlos. Fui rotulado assim e de outras muitas maneiras.
Cada um desses pedaços foi-me empurrado garganta abaixo, de variadas formas sempre injustificadas costurados sobre quem eu sou. As vezes rasguei-os a parte e mantive o vazio lá, desfiando e esgarçando ao modo de uma calça esfarrapada que não se para de usar. Por outras vezes cobri com sangue os retalhos de cores erradas, tinge-os de mim mesmo para que parecessem menos aliens. Outras vezes permiti que o retalho ficasse. Tornei-me parte dele. Aceitei-o sobre a pele como algo nato.
Românticos morrem aos vinte. Desbotam e morrem aos vinte. Eu, aos vinte-e-um, tenho que lidar com essa coisa estranha de romântico que é não ser quem se é. Não saber ser quem se é, ou se de fato se nasce sendo.
Proponho-me é a arrancar cada um dos retalhos que me costurei. Arrancar aos puxões essa pele maldita e remendada e expor o interno. É hora de deixar a neve e o vento penetrar no todo e diluir o vermelho eu numa substância mais pura. Espero ser capaz.
Crescer não dói. Libertar não dói. Encontrar quem se é não dói. Tudo isso assusta. Assusta porque no fundo ninguém é nada, e o nada, além de belo, é apavorante.
"Não sou nada
Nunca serei nada
Não posso querer ser nada
À parte isso, tenho em mim todos os sonhos do mundo" - A. C. - alguém que também não era.
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