quarta-feira, 1 de agosto de 2012

Insanidade


Fui costurado - e suturado por cinco ou seis vezes seguidas em intervalos regulares - umas incontáveis tantas vezes na vida. Burro, deslocado, errado, maduro, depressivo, ciumento... Tudo o mais que não deveria ser quando era; gauche para emprestar vocabulário adequado de Carlos. Fui rotulado assim e de outras muitas maneiras.
Cada um desses pedaços foi-me empurrado garganta abaixo, de variadas formas sempre injustificadas costurados sobre quem eu sou. As vezes rasguei-os a parte e mantive o vazio lá, desfiando e esgarçando ao modo de uma calça esfarrapada que não se para de usar. Por outras vezes cobri com sangue os retalhos de cores erradas, tinge-os de mim mesmo para que parecessem menos aliens. Outras vezes permiti que o retalho ficasse. Tornei-me parte dele. Aceitei-o sobre a pele como algo nato.
Românticos morrem aos vinte. Desbotam e morrem aos vinte. Eu, aos vinte-e-um, tenho que lidar com essa coisa estranha de romântico que é não ser quem se é. Não saber ser quem se é, ou se de fato se nasce sendo.
Não há de se descobrir uma explicação racional, científica ou psicológica para quase tudo. Não sou nenhum retalho. Nunca fui nem mesmo os retalhos que eu mesmo costurei na carne, ponto a ponto. Aprendi que tecidos rasgam e desbotam, e não há nada que se possa verdadeiramente fazer sobre isso.
Proponho-me é a arrancar cada um dos retalhos que me costurei. Arrancar aos puxões essa pele maldita e remendada e expor o interno. É hora de deixar a neve e o vento penetrar no todo e diluir o vermelho eu numa substância mais pura. Espero ser capaz.
Crescer não dói. Libertar não dói. Encontrar quem se é não dói. Tudo isso assusta. Assusta porque no fundo ninguém é nada, e o nada, além de belo, é apavorante.

"Não sou nada
Nunca serei nada
Não posso querer ser nada
À parte isso, tenho em mim todos os sonhos do mundo
" - A. C. - alguém que também não era.

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