sábado, 30 de agosto de 2014

De Ressaca

* fechou os olhos e construiu o diálogo mentalmente *
- Me dá uma segunda chance?
- Você tem certeza? - perguntava naquele tom mais-que-familiar.
- Tenho.
- Igual tinha da última vez? - perguntava num outro tom que nunca tinha usado com ele: grosseiro, áspero e com gosto de ferrugem; um tom que só essa ilusão mental dele mesmo usaria, mas que não correspondia a realidade de sua amiga.
- Eu não tinha certeza da última vez.


AH! A dificuldade de admitir. Eu não tinha certeza da última vez.

Foi tudo como o mar de uma praia de tombo. Eram as águas perfeitas, convidativas. Por dias e dias molharam-se nossos pés pela maré, afundando no lodo da margem. Depois a canela, os joelhos. E TOMBO. Dá pra morrer afogado de amor? Corri até a areia. Revisitar a terra firme e dar outra chance ao sol escaldante. Sol queima, cansa, pesa nos olhos e na cabeça.

- Você é um lírico exagerado, cara.
- Ah, cala a boca. Você é igual. Você sou eu.

Meu medo é que seja só uma vontade; só um teco de carência. Meu medo maior é que seja artifício do córtex frontal calculando seu 2 + 2 social e ditando: casal. Perfeito. Mas outra parte qualquer de tecido nervoso, talvez o nódulo sinoatrial, manda pulsos descontrolados por todo lado pedindo mais, mais, mais. Qual a chance de acertar a velocidade e o compasso se tiver uma segunda vez?

Sobre o destino: acreditei por muito tempo que foi tudo sempre fruto do destino, mas agora parando para pensar... Eu que escolhi O Retrato. Eu que escrevi um verso em cada página do livro, eu que tramei a coisa toda. Eu que tentei uma segunda vez, eu que busquei os anéis e os mandei gravar. Eu construí cada bloco de felicidade onde me refugiei, mesmo que quando inapropriada.
Percebo que quero construir mais uma vez. Porque não? Ou é loucura? No meio dessa confusão o melhor é deixar quieto... Machucar alguém mais uma vez para que?

- Cara, você não foi legal com ela.
- É, eu não fui.

Como que realmente se sentiu? Como que quem estava do meu lado realmente se sentiu naquele dia? Me amava? É justo eu perguntar se amava? Ama? Foi de verdade?

Hoje andando ao lado dos carros estacionados no caminho pra casa cheguei a pensar que estava pronto. Pronto. Uma bagunça pronta pra quê? É uma conclusão risível e irreal. É preciso estar pronto pra qualquer coisa que o valha nessa vida?

Ela não tem os olhos de cigana obliqua e dissimulada, mas tem um gênio... Ah! Um gênio de ressaca.


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